quinta-feira, 26 de abril de 2012

Dicotomias, lutas, fé e amor: gays versus Igreja?

Foto via Facebook

Certa feita, uma amiga comentava sobre as crises possíveis na cabeça de homossexuais religiosos. Se a sociedade diz que a homossexualidade é anormal, a religião diz que é errado, que é pecado...

Todo mundo pode se sentir no direito de fugir da normalidade, se for esse o caso (não é esse o caso). Mas fugir do que é certo tem efeitos piores. A carga do “anormal” pode até ser suportada (quem disse que estou a fim de ser “normal”?), mas a carga do “errado” pesa.

E enquanto seguem essas dicotomias extremistas, esse jeito limitado mesmo de enxergar as coisas, seguem cristãos e homossexuais massacrados dentro de sua própria consciência, sem liberdade, sem vida, sem fé, sem amor. Os paradigmas ainda atrasados que as igrejas oferecem são um grande desafio para a luta LGBT, para as saídas do armário, para o fim da homofobia.

Mas disso, todo mundo sabe. Preciso falar diferente.Se as igrejas ainda erram ao tratar dos gays, o movimento ainda erra ao tratar da igreja. Vício de tantos grupos que se articulam em torno de várias causas, temos a mania de personificar as lutas em torno de um inimigo só. Muitas vezes, o nosso debate sobre homofobia soa como se desejássemos acabar com as religiões (especialmente com o cristianismo) para ter, enfim, tudo muito resolvido.

A matriz religiosa da formação da nossa sociedade meio que já limitou nossa visão de mundo, nessa coisa de céu e inferno, homem e mulher (opostos completos, sem se misturar ou se confundir). A bagunça já está feita. Assim, simplesmente derrubar a instituição não faz com que derrubemos o pensamento discriminador que anda espalhado por aí, influenciando até mesmo quem está fora das igrejas. A mudança tem que proceder no pensamento do povo, não na estrutura, na hierarquia. Muitas vezes, precisamos até mesmo da estrutura para mudar o pensamento.

Digo isso por visualizar um lado (muito forte, por sinal) da igreja e do cristianismo que enxerga um outro Cristo, um carinha que morava lá pelas periferias da Galiléia, carpinteiro, favelado, sofredor... e que por isso entendeu e defendeu na sua mensagem todo um povo que, como ele, sofreu alguma opressão.

Jesus hoje iria na Parada Gay. Mesmo que não gostasse de homens, estaria lá pela causa política, pelo debate, pela luta por visibilidade de uma galera segregada pela falta de amor e respeito pela diferença. Estaria lá, assim como estaria no acampamento dos sem-terra, na ocupação dos atingidos por barragens, no protesto do movimento estudantil. Foi um preso político do seu tempo, defendendo as causas dos oprimidos, fortalecendo as lutas do povo, e cobrando de seus seguidores (até hoje) um posicionamento transformador.

Lá, na multiplicação dos pães, Jesus pede que as pessoas “se sentem” em grupos de cinquenta. O povo que o seguia era um povo de sofridos, de escravos. Nessa época, escravo não comia sentado. Pedir que se sentem, assim, sutilmente, é pedir que se libertem. As pessoas só precisam entender isso, mudar os pensamentos.

E assim, mais do que segregar e desejar um forte “cala a boca, senhor bispo!”, é preciso fazer entender que há um diálogo possivel, pela compreensão de que o amor tem a função primordial de libertar (assim como Jesus o quis)... A missão é fazer com que as pessoas acreditem é direito de todos sentir essa coisa que é o sentimento, coisa doida que deixa mais vivo, que faz lutar pela vida do outro através do cuidado e da afetividade, que pega a gente sem que possamos escolher o alvo... nem homem, nem mulher...

Faço, sim, uma defesa da religião. Faço por entender que, ao contrário do que se imagina, lá dentro a gente também se livra de alienações. Não se trata de uma evangelização cega, mas de um desabafo de cansaço por ouvir os comentários chatos de quem (dicotomicamente, também) acha que gays não podem estar na igreja, e que tudo o que virá dela será prejudicial. Se ainda precisamos que ela mude, a função de quem quer mudança é se inserir para mudar. É necessário postura de quem quer tranformação.

Pode até não parecer possível, mas é cá na minha fé que eu milito. Mais que por qualquer coisa, é por ser muito religioso que eu repito incessantemente o grito de não à Homofobia!

- Murilo Araújo
Jornalista e professor. Homem feminista, católico homossexual, fã de Beyonce e Bethânia. Sem enxergar nenhuma ambiguidade em nada disso.

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